Perdida

Tomou coragem e mudou-se. Assim, de repente. Sem aviso ou despedida. Quando se deu conta, as malas estavam prontas. Guardou nos bolsos os sonhos mais preciosos. Não eram tão grandes, afinal.

Não houve lágrimas, porque era grande (ou pensava ser). Respirou fundo, como se quisesse apenas sentir aquele cheiro que já fora tão familiar uma última vez. Expirou todo o ar dos seus pulmões sem pressa e sem vida, não sentiu nada. Nada, nem uma pontinha de dor ou de saudade. Teve certeza: não pertencia mais àquele lugar. Não cabia mais naquela vida.

Vendeu o pouco do tudo que tinha e completou com a coragem. Com o saldo, a independência e os medos escondidos na gaveta. Então, partiu em busca de uma janela maior. Ao chegar, deixou a porta sempre aberta, sem se importar com entradas e saídas. No fundo, talvez fosse ainda uma esperança de resgatar algo do que tinha sido. Em vão.

Resolveu não desfazer as malas, nunca mais. Nada mais seria para sempre, nem as promessas, nem os planos, nem o futuro. Tudo se resumiria ao agora, àquele instante e depois ao próximo.  Pôs-se a observar a vista através da sua janela, deixou escapar algumas lágrimas. Não eram doces, nem salgadas. Dormiu embriagada por uma garrafa de um vinho barato e projetos rabiscados em um pedaço de papel.

Acordou e demorou para se lembrar de onde estava. Retomou a consciência enquanto tentava se adaptar a luz do sol que invadia o cômodo sem pedir licença. Suspirou e sentiu-se em paz. Ainda não sabia onde estava, mas, depois de romper com tudo o que já não era, tinha uma única certeza: aquele era lugar certo, mesmo que destino incerto.

O sol brilhava lá fora, invadindo cada poro da sua pele, cada átomo da sua alma. Colocou as mãos no bolso e lá estavam todos os seus sonhos, intactos, meio amassados. Apertou-os contra o peito, forte. Sorriu com os olhos pronta para ganhar o mundo.