Eu que ando com os pés no chão e a cabeça nas nuvens. Eu que já gostei de salto alto e prefiro andar descalça. Eu que quero sempre mais, mesmo que seja pouco.
Eu que sigo em frente sem olhar pra trás. Eu que tenho meus remorsos e minhas saudades. Eu que mordo os lábios e sempre falo demais.Eu que tenho pés tortos e passos rápidos e impensados. Eu que tropeço em minhas verdades e me desfaço em contradições.
Eu que sou tão do mundo e tantas vezes esqueço de mim. Eu que carrego no ventre vazio o desejo de ser mãe. Eu que me pari tantas vezes.
Eu que ainda tenho medo de escuro. Eu cega diante da luz no fim do túnel. Eu que trago um peso na alma e uma leveza no espírito.
Eu que fiz do meu corpo o esconderijo do melhor e do pior de mim. Eu que do avesso estou do lado certo. Eu que digo nunca mais e me rendo e arrependo.
Eu que amo tanto e de tanto amar acredito em todas as coisas do mundo. Eu que quero devorar tudo, provar todos os gostos. Eu tão indigesta e intragável.
Eu que quero ser melhor em tantos aspectos e não sei por onde começar. Eu que não sou tão ruim assim. Eu que tenho bolsos sempre vazios e sonhos que se devem comprar.
Eu que invento cores e me desfaço de pudores. Eu que estou sempre a me perturbar. Eu que não sei onde quero chegar. Eu, sempre indo e a um passo de nenhum lugar.
Eu, encantada com flores, mas sem sementes pra plantar e espaço pra colher. Eu que sou erva daninha, espada de São Jorge e trevo de quatro folhas. Eu, mais flor que espinho.
Eu, superficial nas minhas entranhas. Eu, diante do espelho, de todas as escolhas, dona de mim e tão perdida no meu destino. Eu que não me reconheço aqui.
Eu que me espalho, me estilhaço e me revelo em busca de um pequeno detalhe perdido. Eu, pronta para a reconstrução dos fatos e invenções da memória.
Eu, com uma porção de felicidade tímida e o esboço de uma vida nova. Eu, com todas as obliquidades, palavras inventadas, curvas, entradas e saídas.
Eu, sentindo-me gigante e sempre pequena. Eu, desengonçada, trocando as próprias pernas e respirando ofegante. Eu que sou louca, menina, mulher e bandida. Eu que quero ser absolvida.
Eu, tão cheia de mim que quase me explodo. Eu, arco-íris depois da chuva. Eu, primeira pessoa do singular conjugada em um tempo verbal indefinido.
Eu, perdida em mim.