Decidiu que não viveria entre os restos, entre os escombros do seu passado e promessas que se foram. Partiu antes que o dia raiasse porque se cansou da tristeza e do vazio, da solidão e da miséria. À noite, enquanto seus medos dormiam, foi-se indo e deixando tudo para trás. Todas as suas certezas, as riquezas de uma vida que, agora, lhe valiam tão pouco. Deixou todo o amor que não lhe cabia mais.

Quando decidiu dar o primeiro passo, a estrada abriu-se sob os seus pés e ela seguiu sem saber para onde iria, sem bússola e sem mapa, sem nada, só com a vontade de recomeçar. Passos tortos, trôpegos, mas firmes. Em frente, avante. Pra longe, para além da linha do horizonte e das fronteiras que delimitavam o seu mundo em ruínas. Vagou noites que pareciam não ter fim. Desbravou suas solidões, atravessou desertos de saudades, naufragou em sua própria tempestade. Sobreviveu. Seguiu.

Foi-se indo, deixando tudo para trás. Seus medos, o desamor, a dor incessante, as correntes de ferro e o peso de suas escolhas. Foi-se indo. Pelo caminho, foi desprovendo-se de definições e conceitos, abstraindo e desconcluindo suas certezas. Foi deixando de ter pegadas, marcas, impressões e assim, quase por descuido, saiu voando por aí. Apoderou-se dos instantes, emprenhou-se do mundo, dos sentidos, do agora, sentiu a vida reverberar.

Descobriu novos hemisférios, outros territórios, um oceano de infinitas possibilidades. Mergulhou fundo, até perder o ar. Numa órbita improvável e inacessível, o caminho foi se fazendo entre a loucura e a sanidade até que as horas não doíam mais. Até que os instantes floresceram sem peso ou bruma em momentos que sobrepunham os anos e fortaleceram o seu andar.

Não sabia a moça, que era ela a própria estrada. Não sabia a moça, que ela era o que fazia do seu caminhar.