Havia se prendido tanto tempo à ilusão, que nem percebeu quando a realidade se apresentou. Descobriu haver vida nova, dentro e fora. E, na manhã que raiava, entendeu que, talvez, fosse aquela uma boa hora para se despedir do seu passado, daquilo que lhe pesou o peito e lhe feriu a alma. Sem lágrimas nos olhos, mas sorrindo o amanhã.Caminhou pelas lembranças sabendo que já havia sido especialista em inventar motivos para acreditar. Havia perdido muitas horas tentando decifrar cada sutil movimento, tentando absorver silêncios e distâncias. Perdeu muito da sua essência, tentando encontrar motivos para ser encaixada em uma vida que não lhe comportava. Tentou ser mosaico de peças desconexas, prontas para completar os espaços. Teceu sonhos, idealizou projetos e insistiu o quanto pode. Em resposta, uma vida que não se revelou dela. Ganhou dores e cicatrizes. Desilusões.

Agora, de um jeito meio esquisito, estava imune. Morreu várias vezes, ganhou olheiras e cultivou solidões. E, de repente, de um jeito meio banal, sem todo aquele amor de tempos atrás, se deu conta que ele já não morava ali, dentro dela. De um jeito simples e contrário a tudo que aconteceu, sentiu-se livre, suas mãos estavam limpas, o coração era leve.

A visão idealizada do homem que criou perdeu-se em meio às lembranças e fotos amareladas. Havia entendido, finalmente, que não era possível amar sozinha. Imersa nos próprios pensamentos, encontrou o amor próprio e sentiu-se completa, plena. O sol nascia ali dentro e, qualquer dor era, agora, uma lembrança esmaecida num passado distante.

Havia demorado, mas, enfim, percebeu que tudo teve realmente um fim, sem lacunas e reticências. No lugar das muitas palavras que ecoaram no vácuo de uma distância intransponível, um silêncio branco, apaziguador. Deixou a esperança ir embora e tudo que lhe sobrou foi uma estrada de mão única. Estava pronta para seguir.

Haveria de aprender a caminhar sempre em frente, ainda que com passos trôpegos. Naquela manhã que raivava, entendeu que não era possível viver pela metade. Dobrou uma esquina e o futuro lhe acenou, lindo, como o rosto de um menino grande. Descobriu o vento por entre seus cabelos, fazendo-lhe cócegas e inaugurando um novo sorriso. Despediu-se da sua dor e permitiu-se ser livre para ser nova.

Estava pronta para recomeçar e sentiu sua alma sorrir, reverberando por todo o seu íntimo. Sorriu como se pela primeira vez.

 

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