Quando você transbordar

Eu não entendo. Não entendo seu silêncio diante das minhas palavras, sua indiferença a minha entrega, seu tédio em resposta a minha intensidade. Eu não entendo sua existência alheia a possibilidade de nós dois. Eu não entendo as horas ainda incertas, as dúvidas e perguntas que você não quer responder.

Porque você faz parte da composição da minha matéria. É o que corre em minhas veias e redefine a extensão do meu ser. Tudo em mim é você, quer você, que reside em minhas fendas mais profundas e nos inacessíveis de mim. Você é meus olhos em pedidos e súplicas, minha melhor consequência.

Eu não entendo como segue aparentemente sereno à margem do que é meu, como dorme bem sem meu corpo pra te aninhar, como desperdiça seus sorrisos longe da minha alegria. Por mais que eu tente, eu não entendo. Eu não entendo sua força subjugando minhas certezas com palavras vazias.

Porque sua presença dilata pupilas, rega jardins e faz nascer meu sol. Você é o meu mais sublime desdobramento, o meu sonho mais bonito. E eu não entendo como você pode me negar diante do espelho, como pode não cruzar sua metade do caminho.

Eu não entendo esse seu equilíbrio de quem nunca vai, mas também nunca chega. Porque quando você me toca, vibram meus sentidos e eu sou o seu prazer.

E, enquanto você titubeia entre o divertimento e a ameaça, entre o carinho e o pecado, em mim calcinam dores e desejos, abrasam esperas e esperanças.

E eu que não entendo esse seu tempo tão covarde, suas palavras não ditas e o curso caudaloso e frio da sua vida, feita de desistência e cansaço.

Porque eu tenho o corpo tatuado por suas mãos, porque sou um mapa vivo dos seus caminhos e  sigo de mãos dadas com esse de você que parece só haver em mim, que me permeia, me transpassa, me fertiliza.

Esse de ti que você desconhece e que eu não consigo esquecer… porque eu acredito é nesse de você que em mim urge, rebenta, lateja, me preenche e me inundará, quando você não puder mais se conter.