Naquele dia, revirando a gaveta de papéis encontrou um pequeno pedaço dela. Perdido para sempre. E tudo que ele tentou evitar estava ali, naquele pequeno pedaço dela. Com aquele sorriso, muitas palavras e um grande decote. O espaço se completou do seu cheiro, daquela luz, daquele sonho. As lembranças pesaram o coração, há tanto inabalável.

Por um milésimo de segundo a vida pairou no ar, meio anestesiada, meio ébria. Enxergou sua existência como um filme em 8mm, preto e branco. As escolhas que havia tomado lhe saltaram da memória, principalmente aquela que ele fazia questão de esquecer. A de pedir que ela guardasse os sonhos no bolso e fosse embora.

Ele, que não falava em primeira pessoa, queria lhe dizer que teve medo. Que a situação exigiria medidas extremas e a covardia lhe impediu de tentar. Porque ele foi fraco e duvidou do que carregava no peito, daquela menina e no que ela lhe convidada a viver.

Diante daquele pequeno pedaço dela, pensando naquilo que lhe faltava e na vida que lhe restava, concluiu que estava certa, não haveria graça sem ela. Não depois dela. Aquilo tudo era um desperdício. Uma espécie de limbo, onde os dias se alternavam e se sucediam alheios aos vazios que agora lhe ocupavam. Seguia incompleto e apático.

De repente, era como se tivesse aberto a janela para uma outra dimensão de tempo e espaço e, finalmente, acordado para viver um sonho que já não se sonhava. Algo arrebentava dentro do seu peito, lhe rasgava certezas e renascia em seu corpo. Queria falar que ela estava certa, que tudo agora tinha um gosto de sobra.

Mas lembrou-se que a felicidade havia lhe escapado entre os dedos e talvez fosse tarde. Nas rugas refletidas no espelho, constatou que havia se passado tempo demais. Talvez ele não coubesse mais naquele corpo, dentro daquela alma, no fundo daqueles olhos brilhantes cheio de inocência. Ou talvez existem alternativas, um jeito sentir, querer, desejar.

Nas mãos, pesava aquele pequeno pedaço dela, grande demais para ser ignorado. E tudo que ele julgava perdido para sempre, era uma possibilidade, um sentimento vivo, inteiro, capaz de alterar a lógica do tempo.

Sorriu com uma vontade incontrolável de chorar por todos os dias em que disse não. Torceu para que ela ainda estivesse presa naquele tempo, nas mesmas memórias. Agarrando-se àquele pequeno pedaço dela como à uma boia salva-vidas, encheu-se de coragem e saiu pela porta, resoluto.

Andou como se soubesse do rumo que há tanto deveria ter tomado, como se a estrada que o levaria até ela nunca tivesse sido interditada. De repente era um misto de medo e angústia, mas ao andar em sua direção teve certeza de, pela primeira vez em muito tempo, andar a favor de si. A vida, a contragosto das impossibilidades, transbordou esperança.

 

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