Me rendo

Cedo ou tarde eu voltaria. Eu sei que você sempre soube, mesmo quando eu duvidei. Mesmo trancado todas as janelas e apagando todos os rastros, você sempre soube que eu sempre voltaria. E cá estou, de novo e mais uma vez. Presa a sua lembrança, refém de uma esperança torta, quase morta, do impossível acontecer.

Voltei de um silêncio ensurdecedor, de um inverno frio e solitário. Voltei sem nunca ter partido, porque eu nunca fui pra muito longe de você, que seguiu cravado em mim. Agora estou aqui, refeita, ainda que nem tanto, inebriada por uma taça de vinho, do gosto agridoce do que fomos.  Me envolvo nesse instante de delírio – de lírio e, por uma fração de segundos, eu sei que as paralelas hão de se convergir, foi por isso que eu vim.

Trouxe todas as palavras guardadas, todos os sonhos não vividos e estrelas pra depois. Eu vaguei por dias, semanas, meses, anos. Uma década. Me perdi tentando te esquecer, me desfiz pra te proteger. Rabisquei alguns versos, fiz outras rimas, mas nada fez sentido e eu me peguei rascunhando um plano pra chegar até você.

Saí sem destino, perdi a noção do tempo, dei voltas por aí e vim parar de novo aqui, na esquina da saudade, nesse fim de tarde, pensando em você. Um soldado me acena, o tempo retrocede e nesse sonho eu ainda posso ser sua menina, sua como sempre deveria ser. Em algum lugar, nossas almas se esbarram, brincam trôpegas, amam-se loucas, rompem com a moral. Eu me rendo e me embebedo da lembrança de você.

A realidade me acorda e me apavora. Tudo explode agora, aqui, nessa falta imensa de você. Lateja, pulsa, arde, me revira e me devora. Eu tenho fome de te ter. Te espero, te quero, te preciso, não sei viver sem você. Rabisquei alguns versos, fiz outras rimas, mas nada fez sentido, nada me trouxe você.

E eu que fiz de tudo, de novo (e sempre), não consigo te esquecer. Diante da janela com essa vista infinita estamos eu, minhas palavras, uma taça de vinho e essa falta imensa de você.